29/09/15

Dissecações de um Cinéfilo Viajador

   Até onde vai a tua vontade de ver um filme numa viagem de avião? Se for longa, sim se faz favor. Os quantos conseguirem e enquanto a cabeça aguentar, certo? Ora poderá não ser uma ideia assim tão apelativa. Parece mas não é. O Brain avisa, o Brain é amigo. Acredita. E porquê? Porque duas palavras: Versão alterada.
   Certos filmes vêm com a seguinte mensagem "...edited for contents" e isso limita profundamente o modo de assistir certos filmes. Querem ser politicamente correctos ao exibir filmes para toda a família nos seus aviões. A linguagem é alterada, há cenas cortadas cirurgicamente e ficas a coçar a cabeça por notar que aquele tal plano vos parece esquisito. Logo, nada de fucks, esmagamento de crânios e maminhas tapadas com um crop pelo pescoço.


   Rever um filme? Olha, porque não? Desde que o conheças de trás para a frente e saibas distinguir as diferenças. Para certos filmes, até se torna um jogo divertido. Na lista que a TAP oferecia aos passageiros de um voo Lisboa/Rio de Janeiro (surpreendentemente repleto de boas escolhas, onde não tinha só a maioria dos êxitos dos últimos anos no catálogo, como também clássicos e cult-movies com umas boas décadas em cima), encontrei por lá o Goodfellas. Ui, a medo tentei confirmar se essas censuras se aplicavam. Se sim, qual o interesse em incluí-lo no plano de oferta? Não faria qualquer sentido e até o Scorsese mostraria o dedo do meio à TAP por tal ofensa artística. Logo antes da Intro de estúdio não me surgiu nenhuma mensagem pré créditos, que seria um bom sinal. E logo no primeiro minuto Joe Pesci metralhava fucks a torto e a direito, antes de rebentar com o gajo na bagageira a taco de basebol. O meu sorriso cresceu ao ritmo das pancadas.

   Concluí que essas censuras são selectivas, podendo calhar-nos um filme retalhado, como outro intacto. Intacto? Nem por isso. Porque depois vem a fase dois. O (des)controlo de qualidade a nível técnico. Visualmente, um ecrã nos aviões não ultrapassa as 10 polegadas, salvo raras excepções (e eu não ando em executiva, malta, logo estou limitado a esses prazeres). E se isso não é um obstáculo para melhor apreciar um filme, então vocês têm de reavaliar as vossas exigências. Mesmo que haja cada vez mais putos que dizem assistir a filmes em telemóveis, eles não são o público a quem se destina este artigo.
   Recapitulando, um ecrã minimal e para mais a uma resolução SD oferecida gentilmente pelo Mr. 1995. Isto não é aceitável de modo algum. Ah, e já vos disse que alguns deles são formatos 4:3 esticados par caberem no ecrã 16:9? Ahah não tinha dito, é que eu gosto de deixar sempre o pior para o fim.
   Audio? Estéreo. Eu habituado ao meu home cinema 5.1 já torço o nariz a estes simplismos da vida. Esperem... têm de colocar fones. Sim daqueles que se metem dentro dos ouvidos, de tal modo que não consigam distinguir o bass do treble. E o pior vem de fora: As malditas turbinas que nos mantêm no ar… A não ser que saquem dos vossos Bose de 300€, felizes de vós, betinhos da treta que nem têm a dignidade de ir ver os filmes no cinema como gente rica.

   Ah estão rever um filme que já tinham visto no cinema? Volto atrás na palavra, então...
É que o meu lema neste tipo de situações normalmente é rever filmes. Não importa se são de dúbia qualidade e tento sempre divertir-me com a sessão. E geralmente evito escolher blockbusters, por achar um erro grosseiro pelas razões enumeradas lá atrás. E comédias, porque não estou interessado a ser o único a gargalhar feito anormal num avião cheio de malta que decidiu escolher o 12 Years a Slave. Não sou como aquele gajo que se ria a cada três segundos com um episódio do Mr Bean. Parecia aquele meu tio da França, quando vê os filmes do Bud Spencer.
   Mas nesta viagem para o Rio, não consegui resistir a um que ali me chamava na lista, como que uma musa entre o Cabo das Tormentas. Jim Carrey e o seu Ace Ventura são como que a minha luz ultravioleta se eu fosse um mosquito. E lá cliquei, esperando pelo pior (de mim). E apesar de conhecer o filme como quem conhece o cheiro de batatas fritas, a gula foi tal que me dei a disfarçar o riso com tosse forçada e falsos bocejos...

   Outra táctica usada nestas viagens é aproveitar essas horas perdidas para ver aqueles filmes que normalmente não teria pachorra ou prioridade estando eu em casa. É como quem diz, filmes de merda. E assim, não dou o meu tempo caseiro dado como perdido. Junto tudo no mesmo saco. E quem diz Were the Millers, diz Night on the Museum 3 ou outro desperdício qualquer.
   Depois é engraçado olhar em redor e cuscar as escolhas dos que nos rodeiam. As miúdas que escolheram um blockbuster com Channing Tatum por razões que só elas sabem, a comédia romântica só porque sim ou o tanso que está a ver o Mad Max Fury Road num avião a 800kms/h. E sim, todos os exemplos aconteceram no meu voo, mas não vou agora discutir estes critérios pessoais e poder democrático. O idoso que vê o filme às metades enquanto passa pelas brasas, ou a senhora que pausa o filme a cada capítulo para ir ao wc, tirar coisas da mala ou meter conversa com o idoso que por acaso até acabou de adormecer novamente...
   E tu, estás confortável? Pois não, também o teu vizinho acabou de adormecer e está a martelar aleatoriamente no teu ombro. O casal da frente lembrou-se de levantar a baia do vidro e subitamente "fez-se luz, aleluia irmão!". Para complicar a coisa e aqui não importa qual a fila onde te encontras ou se têm a merda dos bose, mas vais obrigatoriamente ouvir o bebé que desatou a chorar desalmadamente quando estavas mesmo naquele momento contemplativo do filme. Oh, a não ser que tenhas adormecido entretanto. E neste caso amigo, este artigo também não é para ti...

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