01/12/10

Memórias de infância - I

Na escola era como que o guru do cinema, aquele para quem todos se viravam para esclarecer uma dúvida ou apenas saber quem fez o quê em tal filme. Por altura dos Óscares, era a paciência a ir abaixo, com os inúteis comentários de quem não sabia da missa a metade, ou apenas a ignorância a vir ao de cima:

-"Então e o Tom Cruise ganhou o Óscar?",
-"Meu, esse filme nem sequer esteve nomeado..."

-"Ah e o Spielberg?",
-"Ele nem fez filmes este ano, pá".

Paciência de santo, era o que era...
Era também eu aquele que ia para o autocarro com cassetes VHS no bolso do casaco (e lembrem-se do tamanhão daquelas coisas!) para emprestar filmes a amigos da escola. Alguns nunca mais voltei a recuperar, erro que voltava a cometer aquando da popularização do DVD...


Pronto, já estão a perceber o tipo de pessoa que eu era há umas boas duas décadas. Recuemos então para essa altura, quando o meu melhor amigo se tornou uma máquina de rolamentos que lia fita magnética:



A infância é tramada. Principalmente para quem estava a embrenhar-se cada vez mais na cinefilia, despoletada pela gigantesca colecção de cassetes encafuadas numa caixa que o meu pai tinha trazido de França (onde eu nasci e passei lá os meus primeiros 8 anos da minha vida). Ao voltarmos para Portugal - e o meu pai viria meio ano depois, ficando para vender a casa e tratar de burocracias - os filmes legendados eram algo confuso para mim. Sim, como todos sabemos, os franceses vêem (ouvem) tudo dobrado na sua língua. Logo, as legendas em português eram estranhas para mim.

Nunca tive dificuldades em ler, já que sempre fui ensinado a aprender o português durante a minha infância. Mas se as letras por baixo dos actores a saltitarem de frase para frase era estranho, mais incrível era REdescobrir as verdadeiras vozes de actores tão famosos como Stallone, Harisson Ford ou Schwarzenegger. Não sabem o que é ter crescido e amado filmes como Rambo 2, Indiana Jones e o Templo Perdido e Regresso do Jedi com uma voz na cabeça e depois revirar por completo essa noção. O filme ganhava nova dimensão.


Voltando à caixa das cassetes que o meu pai trouxe, ele ia gravando por lá alguns filmes que iam passando na TV, num país onde estreavam na pantalha muito mais cedo do que era usual em Portugal. Então foi um delírio para mim abrir aquela caixa, que deveria conter sem exagero, umas 100 cassetes... Eram todas dobradas em francês mas para mim na altura não tinha importância nenhuma. Foi aí que vi pela primeira vez o ET, filme que não chorei, que nem sequer me emocionei e perguntei-me porque era assim tão famoso e que toda a gente falava bem dele. Hoje, sei que senti aquilo na altura porque essa relíquia de Spielberg vinha juntamente com filmes como Indiana Jones e o Templo Perdido, Gremlins, Comando, entre outros, filmes muito diferentes em género e espírito que o delicado ET e que após ver esses, não estaria na mesma disposição para assistir a um filme mais emotivo e familiar...



"O meu vídeo, hoje kinado. RIP"


E relembrando a maratona dos anos que se seguiram: Após estar já habituado ao nosso "sistema" de legendas, tratei de regravar por cima de cada filme dobrado com a versão inglesa e legendada em PT. Logo me deparei com gravíssimas dificuldades e muitas vezes fiquei arrependido de ter feito tal coisa: Ao contrário das cópias limpas que apresentavam as francesas (sem o logotipo do canal, sem publicidades e em letterbox), por cá eram os inevitáveis anúncios intrometidos, o logotipo do Canal1 e mais tarde, os rodapés informativos das TV's privadas. Mas após essa maratona, apareceu-me outro calvário: Recuperar todas essas cópias VHS em DVD, coisa que ainda não terminei nos dias de hoje. Faltarão alguns clássicos dos anos 80 para ficar satisfeito. Apesar deste novo desafio, é de fazer uma enorme ovação ao aparecimento do DVD, não é?


"A minha Colecção VHS que enchem o armário. Hoje no abandono, mas nunca esquecida... "



Mas no início dos anos 90, o meu fiel amigo era o VideoGravador. Perdi-lhe a conta de quantas vezes rodou as centenas cassetes que ainda hoje lá tenho guardadas (e que não faço questão de me livrar delas). Desafios, hobbie ou por vezes missão impossível era apanhar os filmes que me interessavam e assim poder juntá-los à colecção.

Era o Robocop a passar à meia-noite e a minha mãe mandar-me ir para a cama às 22h, ainda numa altura que eu tinha onze aninhos... Ficava frustrado, obviamente, já que nunca tinha visto o filme e obviamente estava interessado em gravá-lo em cassete (para mais tarde poder vê-lo vezes infinitas durante as tardes livres). Mas eu tinha sempre solução: Antes de me ir deitar, pedia disfarçadamente ao meu irmão (que é mais velho que eu, logo, podia ficar até mais tarde) para gravar por mim, comunicando por gestos e códigos como o fazer. Por vezes, quando já todos se tinham deitado e largado a televisão, tinha a liberdade de programar o VHS em modo automático e gravar a uma certa hora. Todos os filmes da saga Elm Street foram vistos programando-o para as tantas da noite. Ou era o Tubarão gravado pelo meu irmão e de manhã ele contar-me que a cassete não chegou e tinha cortado o final... Ou melhor que isso: A Máscara em estreia na TV gravado numa cassete de 180 minutos que já continha um filme curtinho e gravaria a seguir a esse, mas que mesmo assim as contas saíam furadas e tinha de tirar a cassete à pressa a meio do filme para trocar para uma outra (ficando assim com o filme partido ao meio).

Desses exemplos ainda foram bastantes, para desespero meu. Pior mesmo são as experiências que eu tinha com a TVI em meados de 1996, quando os filmes da madrugada eram suposto passar a uma certa hora e o vídeo estar preparado para arrancar com uma gravação automática. Era marcado por mim à hora prevista na programação, ir-me deitar descansado e no dia seguinte deparar-me com as televendas (o filme é cancelado), com outro filme (sim! Eles faziam isso!) ou com uma novela de duração olímpica, com episódios extra que duravam horas a mais, que provocava assim o atraso do filme em questão. Resultado: Mais um filme gravado a meio.
Situações que me foram criando cabelos brancos, para raiva minha.


"O mesmo móvel, com MAIS cassetes na parte de baixo. E convém referir que por detrás destas ainda se encontrava mais duas filas! "


Outros obstáculos que me impediam de gravar tudo o que pudesse era quando nos domingos à tarde, as televisões apostavam nos filmes em estreia. Quando dois filmes eram exibidos ao mesmo tempo, em canais diferentes, ficava a difícil decisão de escolher qual o filme a gravar (e para azar meu, por vezes acontecia a triplicar, com a RTP1, SIC e TVI em grande). Ficava assim esperando alguns aninhos pelo filme que teria ficado de lado, na esperança que voltasse a passar em horas decentes. Mas este empecilho mudaria de figura quando o meu irmão comprou um vídeo para ele e eu lhe pedia para gravar o "outro filme". Era o dois-em-um, qual "sessão dupla", que me deixava com um brilho nos olhos.

Isso levava-me inevitavelmente à regular procissão ao Modelo para comprar cassetes virgens, umas mais baratas que outras, de 120mns e 180mns conforme a duração dos filmes visados. Ficava a contá-las, por vezes ter de deixar alguns filmes de lado e gravar outros mais sonantes.



(Continua...)
Não percam as minhas divagações sobre videocapas e revistas no próximo "Memórias de Infância II"

6 comentários:

ArmPauloFerreira disse...

Uma pura nostalgia é o que dá ver um artigo como este. também passei aventuras com um único video e por vezes os agendamentos (a programação do video para gravar os programas)... bastava a luz ir abaixo, ou ou álguém se lembrar de ver qualquer coisa e tirar a cassete fora... enfim, havia de tudo.
Eu era também daqueles que gravava alguns videoclips do top+... cada cena se fazia.

Era isso e o alugar de cassetes do videoclube e depois se notar que a imagem tremia ou tinha riscos (a fita danificada)...
Eram outros tempos sem dúvida!
Parabéns pelo artigo e que venham mais então.

Peter Gunn disse...

Belo historial de gravações em K7!!! Sei bem o que é isso, tenho algures as primeiras 6 temporadas dos Ficheiros Secretos todas gravadas da TVI e claro muitas outras coisas que hoje em dia já só devem dar em chuva pois a humidade e o passar dos anos à muito que já fez das suas.

Ainda me lembro do 1º Filme que vi em VHS, foi o Vive e deixa morrer do James Bond. Filme esse que ainda hoje ocupa o Nº 1 dentro do meu coração se bem que pode não ser o melhor da série... Enfim, bons tempos em que nem sequer se sonhava com DVD ou muito menos Bluray!!!

À poucos anos já com o DVD à venda em Portugal ainda comprava filmes que estivessem em promo em VHS... sempre pensado que o DVD era bom mas o VHS ainda iria dar luta... não podia estar mais enganado! Hoje já são mais de 200 os DVD originais que tenho em casa... sem contar com outros (cof cof) que lá tenho ;)

Um abraço amigo Brain!

brain-mixer disse...

ArmPauloFer, essa da falha de electricidade também me deu muitas dores de cabeça :P
E copiar filmes do videoclube entre dois VHS, apenas fiz por duas vezes: Jurassic Park e Independence Day... O resto foi tudo da pantalha :D
(Ah e tenho cassetes de duas horas cheias de publicidades catitas, videoclips tb e curtas metragems do Onda Curta!)

Peter, as VHS que lá guardo ultrapassam as 300, mas duvido que algum dia venha a rever por este formato :S

Cadima disse...

Tenho um bocado de pena de não ter vivido muito essa época, uma vez que o dvd apareceu em minha casa quando tinha 5 anos e praticamente as únicas lembranças que tenho da cassete é de ver a trilogia do back to the future, o die hard, e o jurassic park. Mas agora tenho andado a voltar a ver as cassetes que tenho (vídeo e audio)e mais de uma centena de vinis e cada vez fico com mais saudades de um tempo que nem sequer vivi.
Excelente artigo,e que estes continuem.

Unknown disse...

Você tem interesse em vender?

brain-mixer disse...

Vender o quê???